Cargas D’Água, um musical de bolso, prova o valor do teatro autoral e regional brasileiro

Share

Vou te levar pra conhecer o mar, dar uns mergulho profundo… Quem sabe nessa eu acabo a encontrar o meu lugar nesse mundo?

Em cartaz desde abril, o “Cargas D’Água” é musical inédito, autoral e regional brasileiro que, por ter uma curta duração, é apelidado de “um musical de bolso”.

Uma história curtinha, que assim como a personagem de Ana Paula Villar promete logo na primeira canção, vai passar num estalo, mas rápida que um furacão, mais vai fazer o mesmo estrago que um em nossas vidas. E é realmente isso que a história construída por Vitor Rocha faz em nossas vidas, “o espetáculo acaba falando de algumas coisas, que acabaram sendo esquecidas. Pra mim a arte sempre foi expressão, dizer o que eu penso, e falar o que eu senti; e estamos falando sobre que as pessoas sentem, o que elas querem ouvir”, compartilha o autor. Um enredo que nos cativa nos primeiros versos, nos desliga do mundo e nos leva para um quintal da imaginação de Moleque, Charles e Pepita.

O espetáculo surgiu a partir da ideia de criar inicialmente um monólogo sobre um garoto que viajava o Brasil.

“Eu li um artigo na internet que falava sobre os medos dos seres humanos e, para mim, o teatro tem muita força quando traz identificação. A melhor parte é quando você se vê. Então, quando eu li esse artigo, eu falei ‘então são seis medos do ser humano, são seis coisas que 7 bilhões de pessoas têm em comum’. Isso precisava estar no espetáculo de alguma forma. Então, a história desse menino vai falar sobre o medo.”, diz Rocha.

Desde a sua estreia, o espetáculo tem envolvido muitas pessoas pela sua sensibilidade ao contar em um enredo encantador e poético, composto por 10 canções, a história de um menino no sertão mineiro que perde a sua venerada Mãe e acaba por esquecer o seu próprio nome, pois seu padrasto só o trata por “moleque”. Mas tudo muda quando ele faz um amigo nada comum, um peixe, e se identificando com a prisão em que seu novo amigo se encontra, promete o levar para ver o mar.

Vitória Ariante, assistente de direção e coreografia, começou no teatro ainda durante a escola e nunca teve dúvidas de que queria seguir esse caminho artístico. Formada em Artes Cênicas pela Escola Superior de Artes Célia Helena, entrou no processo para auxiliar Vitor nas partes corporais e de coreografia.

“Eu falo para o Vitor que o Cargas me ensinou a me lavar por dentro e por fora”, ela conta “Eu acho que ele [o Cargas D’Água] não tem só esse lado emocional e sensível, mas poético, por ele ser simples e prezar pelo simples ele não vislumbra algo que não é. No sentido de: ‘é isso que nós temos, é isso que nós vamos apresentar e a gente quer compartilhar isso com vocês… vocês estão dispostos a partilhar disso com a gente?’” 

Quem dá vida ao Moleque é André Torquato, natural de Brasília. O ator chamou a atenção do cenário teatral quando participou de Gypsy, dirigido e concebido por Charles Möeller e Claudio Botelho, em 2010. Além disso, esteve no elenco de As Bruxas de Eastwick, O Mágico de Oz e Priscilla – Rainha do Deserto, antes de viajar para os EUA para continuar os estudos, onde permaneceu por cinco anos. 

Ele nos falou da emoção ao receber o convite e ler o texto do musical, dizendo, “Eu li o texto ainda no avião voltando para o Brasil, chorei horrores, as pessoas que estavam do meu lado deviam estar pensando ‘o que [tá] acontecendo com essa pessoa?’. O texto é muito poético, mas muito real, ele fala da experiência humana, do que é ser humano […] do medo.”
Ana Paula Villar, também de Brasília, já atuou no Urinal e My Fair Lady. Agora faz sua estreia em um grande papel e auxiliou Vitor nas letras das canções. Ela afirma que “as composições para o espetáculo surgiram muito do que queríamos passar no momento, durante os ensaios, foi uma criação bem livre”. Ela confessou ainda o medo do público não entender a mensagem: “A primeira plateia […] , foi em Brasília, quando eu recebi parabéns de pessoas eu não conhecia, foi muito gratificante saber que as pessoas estavam se identificando, pois o que fazemos aqui no palco nada mais é do que mostrar que está tudo bem, todo mundo tem medo.

Gustavo Mazzei, que atua como swing, nos contou que desde os tempos de escola foi apaixonado pelo teatro, cinema e música; inicialmente pensou em ser músico, porém não podia resistir a paixão de estar atuando no palco. O ator revelou que no processo para a construção do Moleque, tirou inspiração  de suas raízes mineiras e seu jeito brincalhão. “Quando eu entrei em cena, o jeito de moleque veio, o sotaque veio, foi um processo um tanto que fácil para mim.”
Na temporada prorrogada, o projeto ganhou um novo companheiro, o ator Davi Novaes, que enfrentará a jornada do medo às terças-feiras, como alternante do Moleque. O ator relatou na entrevista que o teatro sempre esteve em sua vida. Natural de São José dos Campos, se mudou para São Paulo em 2011 para estudar, onde concluiu o curso profissionalizante de teatro na Escola Macunaíma. Iniciou sua carreira profissionalmente, na peça Um Bonde Chamado Desejo e o musical O Príncipe desEncantado.

A direção musical e arranjos de Cargas D’Água são de Hector de Paula, e Produção Musical de Paulo Altafim.

NOSSA OPINIÃO:

Em um primeiro momento, o musical logo me despertou a curiosidade pela chamada de um musical de Bolso, e também por alguns comentários de amigos sobre a história, narrada de uma forma encantadora. 
Então fui, sem nenhuma expectativa, apenas com a curiosidade de entender o que seria a proposta de um musical de bolso e como eles iriam apresentar os paralelos sobre os medos dos seres humanos, em uma história que se passava no sertão mineiro. Cheguei, então no Espaço Cia da Revista (onde aconteceu a primeira temporada) e o clima e espaço do lugar já estava levando a todos ali presentes para o universo da imaginação.
Já a nova temporada de Cargas D’Água está em cartaz no Teatro Núcleo Experimental, na Barra Funda. A entrada do local é um café aconchegante, e a porta para o espetáculo, quase imperceptível. Do lado de dentro, um clima íntimo prepara a audiência para a experiência que se aproxima: enquanto se toma seu lugar, o elenco já se encontra posicionado, arranjando caixas e outros apetrechos do cenário; sem o conhecimento da audiência, esses já são Moleque, Charles e Pepita, já em cena, preparando a obra que vieram contar.
Ao entrar no teatro lotado, podia observar o olhar curioso de todos, e fiquei curioso em como uma produção tão simples estava impactando tantas pessoas. Mas, todos ali obtivemos a resposta logo nos primeiros minutos que Ana Paula, Vitor e André começaram a cantar ‘Chegança‘. A resposta era a imaginação de cada um ali. Não era uma história apenas sobre o Moleque e a sua jornada, é uma história sobre todos nós, sobre os nossos medos.

O brilho no olhar dos atores acaba por conversar com o nosso sorriso bobo, e lágrimas de choro ou alegria que vamos soltando ao longo do espetáculo. Assistir a jornada do Moleque saindo por esse Brasil, se descobrindo e mostrando um medo que cada um de nós temos, ou fingimos não ter, faz com que a emoção seja orgânica.
Sabe quando você assiste algo, se identifica tanto com o enredo e fica com aquela sensação de gratidão tão forte, ao ter um mix de sentimentos de “quero sair contando pra todos sobre isso“?. Tenho certeza que boa parte do público saiu da mesma forma. Não tem como não ficar apeixonado pelos personagens e talento dos atores. 
Sentimos que tudo foi criado com muito amor e cuidado. Mesmo que a princípio você não consiga observar nada em sua vida que possa ser mudada em uma tarde de domingo (ou noite de terça-feira), Cargas D’água chega sem avisar e faz um estrago como um furacão, mas o resultado é lindo.

SERVIÇO:
Teatro Núcleo Experimental
Rua Barra Funda 637, São Paulo/SP
Temporada Prorrogada (Até o final de Junho)
Sessões: Domingo às 16h / Terças às 21h
Ingressos a partir de R$ 30,00

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *